95- Mochila




Ouvi em uma roda de conversas com mulheres a seguinte frase “eu não falo com meu filho para cumprimentar alguém, ele faz isso quando tem vontade, o educo com essa liberdade.” Pensativa fiquei, não argumentei e por algum tempo tentei digerir essa informação, chegando à conclusão que era muito para mim.

A infância é um período de formação de caráter, onde se é possível agregar valores e caminhar na formação do intelecto.

Se deixo para a criança optar por saudar ou não uma pessoa, dou a ela também a opção de ser introspectiva e em um futuro próximo sofrer com problemas de socialização.

Era estudante do ensino médio, aquela época boa onde à preocupação máster é tirar boa nota nas provas, estar com os colegas de classe em casa era algo comum e delicioso. Trocas de confidencias, risadas e muita conversa “fiada”, interação com os familiares da casa visitada e chamar os pais de “tios” era regra (carrego isso até hoje com os mais próximos). Marcamos uma tarde de estudos em minha casa e a turma foi chegando calorosamente, falando alto, trocando abraços e em um determinado momento minha mãe precisou dar uma saída breve.  Ela  nos comunicou dizendo que não iria demorar, olhou diretamente para mim, passou algumas instruções e no final eu a pedi sua “benção”.

A conversa entre a turma de amigos continuou normalmente (se é possível dizer que conversas de adolescentes seguem algum ritmo normal... oh fase deliciosa) por algum espaço de tempo até que minha mãe retornou. Ela entrou em casa saudando a turma e quando se aproximou de mim novamente a pedi sua “benção”.

Os dias se passaram cheios de atividades escolares e em um determinado momento informal uma amiga se aproximou e me questionou porque eu falava “benção mãe, benção pai”.

Lembro-me de minha estranheza ao escutar a pergunta, mas mesmo assim a respondi. “Uai, quando acordo eu tomo a benção, quando saio também, quando retorno novamente e quando vou dormir também”... O rostinho de surpresa de minha amiga é memorável... Terminou com um “Nossa”.

Eu era muito nova, repetia com naturalidade e sem questionamentos esse comportamento e outros mais, mas confesso que não o entendia em sua plenitude, só sabia que era uma forma de carinho vinculado a Deus e só isso já me bastava.

Os anos se passaram e eis que encontro com a amiga da adolescência... Agora uma linda mãe. Não conhecia seu pequeno pacotinho de amor e ela logo foi me apresentado “Meu filho essa moça é uma amiga da mamãe, diga oi para ela”... eu estava encantada com o serumaninho e já esperava pela estranheza e possível recusa em me saudar, mas para minha grande surpresa depois de fazer o charminho normal do primeiro encontro, ele levantou a  mão direita em minha direção e disse “Ei tia, a sua benção”. Como assim produção??? A tia aqui ficou boquiaberta com tamanha doçura e ao mesmo tempo intrigada com o comportamento.

A criança foi brincar e eu fiquei conversando com minha amiga. Conversa vai conversa vem até que tomei liberdade de questionar “Amiga, até onde eu lembro você em nossa adolescência me questionou porque eu pedia tanto a benção e agora seu pequeno tão novo tem o mesmo comportamento que eu sempre tive, o que aconteceu?”. Ela sorriu e disse que já esperava o meu questionamento, mas me explicou o que a levou mudar de comportamento.

“Sempre achava estranho o tanto que você pedia a benção aos seus pais porque eu nunca o fiz com os meus pais. Sempre existiu o carinho e respeito, mas nos não fomos criados com esse costume. O tempo foi passando e eu um dia ganhei um livro de aniversario, o conteúdo dele era sobre a benção, sobre a importância para quem dá e para quem a recebe... Na verdade quem abençoa é Deus. Achei lindo e quis colocar em minha vida. Comecei por mim, pedindo a benção aos meus pais que receberam em um primeiro momento com estranheza, por vezes ignorando, mas com o tempo também se adaptaram a minha mudança. Confesso que houve um ganho no quesito carinho e hierarquia entre eu e meus pais. Me senti mais acolhida. Desde então nunca mais paramos. Casei, meu esposo também já tinha esse costume então foi tranquilo dar continuidade com o nosso pequeno.”

Fiquei emocionada com o relato dela por saber que de alguma forma, um comportamento até então repetido por tradição, foi causa de mudança em sua vida.

Estou dando esse exemplo para mostrar que muita coisa não entendemos quando crianças, fazemos no automático, por instruções dos pais. Se deixamos nossas crianças terem tanta liberdade no que diz respeito sua formação, em um futuro próximo eles não terão muita referência do que é viver em família, em sociedade. A maturidade trará respostas e ai sim poderão responder por suas atitudes.

Nossas crianças são moldáveis, precisamos carregar suas mochilinhas com valores e essências. A meu ver o respeito e a fé são os mais preciosos.

Um dia, em uma sábia homilia, o padre de minha comunidade ao ouvir crianças conversando na igreja disse “Papais não se envergonhem pelo barulho que seus filhos estão fazendo e muito menos os deixem de trazê-los. Isso hoje pode parecer mecânico e “chato” para eles, mas no futuro tomarão gosto e entenderão. Se não o trouxerem não acostumarão e não gostarão nunca”.
                                                                                                                                                                                             
“A repetição, com correção, até a exaustão, leva a perfeição” – antiga prática Jesuíta.

Fica a dica.

#restabeleça #formação #essencia #caminhosefazcaminhando #menosémais 


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