118- Sabotagem
Desde que me entendo por gente
escuto meu pai perguntando às mulheres ao encontrá-las – “Você se olhou no espelho hoje? (Ele
sempre faz isso quando cumprimenta pegando pelas mãos e olhando nos olhos)” – é
nítido o desconforto ao receber o questionamento. Mas ele muito sabiamente
antes que possa ser julgado ou ofendido lança logo sua resposta – “Não precisa, você esta linda!!”.
Pronto, sua resposta desarma quem poderia ter pensado em uma possível cantada e também quem se sentiu ofendida por não se sentir tão bem naquele momento. E ele consequentemente ganha um belo sorriso.
Muitas foram às vezes que vi essas mulheres após a resposta de meu pai justificar seu desconforto.
“... sai de casa cedo e nem tive tempo de me arrumar direito...”;
“... faço tanta coisa que não tempo para me olhar no espelho”;
“... vesti a primeira roupa do
guarda-roupa e nem tive tempo para
saber se ficou legal”;
“... me sinto tão gorda que
prefiro não me olhar no espelho”;
“... tenho tempo pra isso não moço”;
Outras mil justificativas aconteceram que não me recordo mais.
Perdemo-nos em nossas correrias diárias e por consequência nos sabotamos como justificativa.
Colocamos o despertador para apitar no limite do tempo – dormir só mais 5 minutos – e depois dizemos que não temos tempo para fazer nossa entrega do dia, para maquiar, para tomar café na tranquilidade, para verificar as combinações da roupa, para escolher o sapato que melhor se adapta a rotina do dia, para colocar na bolsa o copo/ garrafinha que servirá de local para o consumo da água, para se olhar no espelho.
Na pausa para o almoço damos preferência para as comidas que podem ser mastigadas rapidamente ou fastfood (lanches) porque precisamos ver as novidades das lojas, porque temos que arrumar as unhas, porque temos que comprar os presentes dos aniversários, porque precisamos aproveitar o tempo. Para cada ação uma reação. Depois não nos olharemos mais no espelho por medo do resultado do consumo e da mastigação errada.
O dia se finda e somos vitoriosas/ vitoriosos pelo simples fato de existir. Infelizmente não conseguimos nos alegrar com frequência, sabotamos nosso agradecimento. Voltamos para nossas casas como se estivéssemos carregando o maior fardo do mundo. Não existem sorrisos largos, eles dão espaço para olhos e ombros caídos, sorrisos amarelos e muitas ... Muitas reclamações.
Temos a oportunidade de fazer a diferença em casa, mesmo meio a tantas obrigações, mas é mais fácil reclamar que não temos tempo. Podemos ouvir boas canções, boas formações pelo computador/ celular, podemos até deixar os cabelos agindo com creme em uma touca. Podemos cantar com as crianças, brincar de pique-esconde, contar historinhas. Mas... Sabotamo-nos novamente.
Entendo que quando somos questionadas/ questionados se nos olhamos no espelho o medo maior não é de como o questionador nos vê, se existem problemas pelo seu olhar. O medo maior é de ver no reflexo do espelho respostas claras as nossas sabotagens
Já se olhou no espelho hoje?
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